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11 junho 2011

A escrita chama por nós...

Escrever na areia, de Vera (retirada daqui)


«Havia um livro imaginário com páginas que latejavam ao ritmo da sua própria angústia. As palavras eram soletradas a uma distância que me impossibilitava de as repetir, e muito menos escrever. Corri pela rua fora. Cheguei ao paredão da rocha. Voltei-me. De braços na horizontal, em paralelo com o horizonte, fixei o olhar para além das pequeninas montanhas que se elevavam por detrás da mancha esbranquiçada do casario. Olhei o moinho. Sorri-lhe. Minha testemunha de insossego. Companheiro fiel de noites em que naveguei à deriva. De respiração contida, pus-me à escuta. Reconheci, afinal, que as palavras eram a voz que, há séculos, me perseguia como sombra, misto de agonia e ternura. Tentei, a medo, iniciar um diálogo que foi interrompido logo que a primeira sílaba da minha boca se despediu, no ar. Foi a voz que falou primeiro:

- Não sabes como iniciar esta estória, não?

Tal pergunta era exactamente a que eu esperava. Como rafeiro envergonhado, refugiei-me no gesto de desenhar pequenos círculos com o meu pé descalço no chão de areia solta e juncado de palha. A voz pareceu-me sorrir. E ordenou-me:

- Escreve, já que o teu tempo foge como as nuvens sopradas pelo vento. Escreve!»

José Francisco Costa (in Mar e Tudo, 1998)

1 comentário:

Lobo das Estepes disse...

gostei! obrigado pela partilha :D