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31 março 2011

Esperando Com O Coração na Boca

Helena mexeu-se na cadeira. Inconfortável. Cruzou e descruzou as pernas já dormentes e olhou para o relógio. Pendurado na parede desbotada. Onze da manhã! Que chatice! Pensou. Já estava ali desde as nove. Tinha entrado nervosa. Apressada. Munida de um papel e de incertezas. Uma mulher pequena e magra mandou-a sentar numa cadeira. Espetou-lhe uma seringa no braço. Sugou-lhe o sangue para dentro de um vidrinho. E com um ar seco disse: Espere na sala por favor. E foi-se embora com o tubito deixando-a sozinha, a olhar para a pequena televisão. Desbotada. Como as paredes da sala.

Agora ninguém lhe dizia nada. Limitavam-se a passar por ela com as suas batas brancas, abertas. Como as asas cortadas das galinhas prontas a serem depenadas. E por falar em galinhas. Já eram horas de fazer o almoço. O Joaquim vinha sempre almoçar a casa e o frigorífico estava vazio. Os miúdos, esses…. Almoçavam na escola. Ainda bem. Era menos uma preocupação. Já bastava o caniche nervoso que a irmã tinha deixado. Ainda por cima urinava pelos cantos da casa. Ou papagaio irritante que o Joaquim tinha trazido da Guiné. Barulhento. Incomodativo. Para não falar dos gatos persas que largavam pêlo por todo lado. Enfim! Uma trabalheira.

E agora isto!

O médico tinha dito que não devia ser nada. As análises eram apenas uma precaução. Mas isso também tinha dito o outro médico. Quando andava com hemorragias depois do nascimento do Miguel. E o que aconteceu? Acabou por ser operada. Seis dias infernais no hospital e a casa de avesso. E se fosse mais do que um simples caroço?

Helena estremeceu! Tirou da mala pela milésima vez o telemóvel. Não havia mensagens. E porque havia de ter? O Joaquim nunca lhe telefonava e os miúdos só quando precisavam de qualquer coisa. Suspirou. Voltou a meter o pequeno aparelho na mala. E se fosse cancro? Não tinha sido a Tia Elvira que  morreu de cancro? Coitada. O que ela sofreu. Apagou-se em menos de seis meses.  Quem tomaria conta dos miúdos. O Miguel ainda era tão novo. E o Joaquim? Quem lhe iria passar as camisas a ferro e preparar o almoço todos os dias?

Limpou as mãos suadas à saia. Amarrotada. Endireitou-se na cadeira. Tentou pensar no que ia fazer para o jantar. Bacalhau cozido “com todos”? Não. Ainda tinham comido peixe ontem. Talvez passasse pelo talho do Sr. António e comprasse uns bifinhos de peru. Se calhar era melhor mandar uma mensagem ao Joaquim a dizer que fosse almoçar fora. Já era quase meio-dia e continuava ainda ali. Especada. Olhando para televisão. Vazia. De coração na boca.  

De repente a porta abriu-se.

Helena parou de respirar. O Bata Branca erguia-se à sua frente. Enorme. Assustador. E nas mãos… o resultado dos exames!  

Entre por favor!


@esmeralda - 29 Mar 2011

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