Priberam | Comentários

Priberam » Palavra do dia

14 abril 2011

Romeu



Ou o Outro Lado da Vida


Sempre que chegava da universidade atirava com os livros para cima da mesa. Olhava para o relógio. Mudava de roupa apressadamente. Pegava na mochila e nas chaves do carro. Batia com a porta. Descia as escadas a três e conduzia até ao outro lado da cidade.
Quase sempre fazia um pequeno desvio e parava no MacDonalds. Nunca olhava para o menu folclórico e apelativo. Em vez disso, gritava “hambúrguer e Coca-Cola” para o altifalante que lhe respondia com guinchos incompreensíveis. Pagava com moedas já contadas. Enfiava o saco na mochila e seguia até à área de serviço na A19.

Estacionava sempre no mesmo lugar. Era uma das grandes vantagens. Havia sempre estacionamento (e gratuito). Tirava então a mochila (com o saco do MacDonalds) e preparava-se para fazer mais um turno até à meia-noite. Só assim, conseguia pagar as prestações do carro que tinha comprado no verão passado.

Quando as horas eram mortas, ou não havia clientes, tirava da mochila o livro do Saramago (que levava para todo o lado) e lia mais umas páginas do “Ensaio sobre a Cegueira”. 

Romeu sabia que a vida não era nenhuma “Julieta”. E mesmo que fosse uma “Julieta” não tinha pais ricos. Entre a universidade e a área de serviço ia tentando equilibrar a vida. Como um malabarista.

Às vezes parava a meio de uma página da “Cegueira”. Ficava a olhar para o reclame luminoso da bomba de gasolina e pensava na cegueira dos colegas. Ria-se então sozinho. Abanava a cabeça e murmurava entre dentes — Como é fácil enganar os outros.


@esmeralda  4 Abril 2011


Nota: Baseado num exercício da EC: criar uma personagem

Sem comentários: