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22 outubro 2010

O VALE DAS IGREJAS BRANCAS

Eram doze as igrejas brancas que sobressaíam dentro do vale. Primeiro quebraram-se os vidros das janelas, depois todas as portas apodreceram e os pregos baloiçavam no meio da carne infecta das tábuas cruzadas que estavam cheias de buracos.

Desfizeram-se naquele ano que choveu todo o verão até à primeira feira de Outubro. Os pregos sustinham bocados de madeira que formavam uma transparência que mais parecia uma teia de aranha. Um dia de grande vento, os pregos começaram a voar e não ficou nem sequer a sombra das portas.

Quando os pardais se puseram a fazer balbúrdia lá dentro, o ar ficou cheio de penas que caíam no chão como se tombassem das asas dos anjos em voo no tecto.

De repente, uma noite, as igrejas ruíram todas juntas.

Um montanhês que vive abaixo de Badia ergue a mão direita com o cajado e aponta lá no fundo do vale uns montões de pedras e caliça brilhantes como baba de caracóis.


Tonino Guerra, in O LIVRO DAS IGREJAS ABANDONADAS

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