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08 novembro 2010

Tango

Combinámos um encontro no Bilderbuch Café. Fui mais pela curiosidade de conhecer o café-biblioteca e provar os bolos do que propriamente para rever um conhecido .
Insistiu que me queria mostrar Berlim, que eu conheço como a palma da  mão, mas acedi.
Cheguei e vi-o imediatamente, a ler o BILD. Sempre o mesmo, sempre a mania de dar nas vistas pela negativa. As outras pessoas liam livros ou jornais sérios, que lá estão à disposição para serem degustados com café e doçaria divina.
Resolvi sair antes que ele me visse e mandei-lhe uma mensagem curta .
Reparei no edifício em frente e naquela varanda florida. Quem poderia viver ali? Uma viúva idosa, uma família jovem? Gosto de imaginar as vidas escondidas pelas janelas.
Ele podia já estar a viver ali.
De repente, da janela, uns acordes de  tango.
Comecei a ouvi-los  cada vez mais fortes, mais apaixonados, a atmosfera  cinzenta e abafada foi mudando em mim à medida que a melodia me envolvia. A imagem de uma escola de dança como há tantas em Berlim.
Cantarolei no meu espanhol. Senti olhares de espanto, de desdém, sorrisos. Continuei mas baixo: “ El día que me quieras, la rosa que engalana...”. À janela apareceu um homem lindo, com um casaco de trespasse que devia completar um fato. Acenou na minha direcção.
E pareceu-me o mesmo em quem  três semanas antes tinha reparado na Hauptbahnof.
Tinha-me ficado na cabeça.
Pensava nele como o Tango Forte, perdido na língua estranha, com duas malas enormes, a meio da noite. De mapa na mão, pedia com os olhos um leitor de mapas. Hesitei, podia ajudá-lo, mas tive receio.
Fiz de conta que esperava alguém e continuei a observá-lo, escondida atrás do fumo do cigarro que finalmente podia fumar.
De umas das malas tirou um bandonéon e dedilhou Mi Buenos Aires querido.
Deram-lhe moedas, que recusou educadamente. No, no, gracías, quiero Kreuzberg, por favor!
Lembro-me de o ter olhado, já sem cortina de fumo.
Apanhei um táxi para Charlottenburg, mas já sem saber que país me esperava!
E ali estava ele, de novo. A porta do prédio estava aberta, avancei até ao pátio. Nas caixas de correio, liam-se os nomes das vidas atrás das janelas. Orrego Carlos, 3 L.
Subi as escadas e peguei no batente.

A continuar

1 comentário:

Lobo das Estepes disse...

melhorou! :D

esqueceste-te de corrigir o "saíram"